Segue a viagem!
[ clique para ampliar ]
Compare com a rota de Pedro Álvares CabralContinua a viagem da
N. S.da Aparecida rumo ao Brasil, que partiu do Mindelo a 28 de Janeiro. Foram actualizados os
Diários e Bordo até ao dia 8 de Fevereiro, dos quais fazemos a seguir um pequeno resumo:
O dia começou cedo pois havia ainda o abastecimento e outras coisas a fazer e havia ainda da parte da tarde que dar apoio ao Veríssimo que é um jovem que nos tinha contactado em Sesimbra e que queria aproveitar a nossa partida de Cabo Verde para fotografar e filmar algumas cenas para o seu projecto que inclui um livro e um filme feito por processo inovador por uma só pessoa. O Veríssimo é jovem e tem deficiência grave pelo que se desloca e exprime com dificuldade o que não o impediu de vir até ao Mindelo sozinho para juntar mais estas cenas ao seu projecto. (...)
A Policia Marítima disponibilizou um rebocador que traria o Veríssimo para terra depois de ter saído do porto na barca mas quando foram solicitados pelo rádio a tripulação não estava e não mais deu sinal de vida pelo que fizemos tudo com a prata da casa e viemos traze-lo a terra, sempre com a ajuda do José e logo zarpámos debaixo de efusivos gritos de despedida vindos da praia. Encontramos fora do porto bom vento e mar muito agitado dentro do canal entre ilhas e na noite escura recomeçámos a traçar o rumo da nossa viagem.
Assim que safámos as ilhas o mar abrandou e rumámos a Sul obtendo óptimo ângulo e velocidade de vento e fizemos a noite com a vela grande toda içada e progredindo a 5 nós. Ao nascer do dia içámos as velas de proa e intensificamos o andamento. A tripulação encontra-se em estado de sonolência vegetal característica desta fase de adaptação ao meio adverso e prefere aproveitar para descansar do descanso que foi a estadia no Mindelo. (...)
Decidi não reduzir pano esta noite para aproveitar o excelente andamento que vimos tendo com a barca a mostrar grande agradecimento pelas melhorias e reparações efectuadas nos dias anteriores.Com as melhorias que foram executadas pode agora a barca içar as velas que necessita para progredir com velocidade e sem esforço, aproveitando a bom pano as magníficas condições de mar e vento. Seguimos agora o rumo 195 com vento ENE de 15 nós e a uma velocidade média perto dos 8 nós, o que é inédito nesta viagem especialmente quando o mar fica calmo.
Batemos todos os recordes de milhas papadas em 24h com as 135 que fizemos nas últimas. Isto representa uma velocidade média de 5.5 nós no rumo certo, ou seja, VMG = 5.5. Para obter este feito andamos grande parte da noite com velocidades perto dos 8 nós e de madrugada o vento caiu, voltando mais tarde e mais brando e permitindo manter o rumo de 5 a 6 nós com mar calmo.
O vento soprou calmo todo o dia, depois de experimentar várias hipóteses vélicas decidimos passar a noite com a grande e o estai, sendo este armado em borboleta que é como quem diz uma vela de cada lado do mastro, para apanhar o vento de popa que tem sido quase omnipresente.
Na troca de quartos e aproveitando a presença de toda a tripulação foram experimentadas várias combinações de velas e resultou voltar à borboleta de estai que nos leva numa cadência ritmada pelo movimento das ondas a 5/6 nós, no rumo certo.
Acabo de tirar a capota e experimento agora a versão cabriolet desta linda barca usufruindo o dia bonito que se pôs. Esta capota que é composta de uma lona, armada com tubos de aço, é facilmente recolhida e não empata nada e quem a desenhou sabia por certo ao que a barca vinha, pois oferece boa protecção aos ventos e mar dominantes e é muito forte.
Com um salto de vento aconteceu uma cambadela e com a violência do embate partiu-se no mastro uma pequena peça de madeira que serve de descanso à retranca quando se encontra sem vela mas que não prejudica a nossa marcha. Montou-se um pau no mastro para trabalhar com o estai à laia de pau-de-spi utilizando para o efeito o velho croque às riscas que passa agora a estar de serviço.
Vamos com rumo certo e uma brisa ligeira que suavemente nos empurra por este oceano interminável, à medida que o Sol percorre a sua trajectória no Céu tropical. Peixes voadores pululam à volta e, pequenos e grandes, todos parecem sair da água em fuga do predador e não se encontra outro motivo para que o façam.
Depois de andar vários dias à popa cerrada no rumo directo aos rochedos de S. Pedro e S. Paulo, decidi prejudicar alguns graus em privilégio de maior e mais estável andamento e, assim fechámos o bordo para 170, que alternaremos com 240 enquanto se mantiverem as condições. Com estes rumos podemos contar com a colaboração das velas de proa e o seu incremento na velocidade, que à popa não trabalham por ficarem na sombra da vela grande. Devo dizer que não tenho nenhum motivo especial para ter pressa mas enquanto estiver eu ao comando, qualquer barco há-de navegar velejando da forma mais eficiente. É por isso que, dizem que estou sempre a inventar.
Depois de uma noite escura com bom andamento, usufruímos agora de temperaturas mais próprias destas paragens e a humidade que entra em força até aparecer o Sol, é por ele evaporada deixando as superfícies imaculadamente limpas e a pele macia. (...)
24 horas depois voltamos a virar de bordo e numa tentativa de obter melhor rumo, içámos o saudoso spi em borboleta e iniciámos uma etapa de velejada-intensiva pois requer muita perícia, destreza e dedicação do homem do leme para manter ambas as velas enfunadas com a vaga que vinha de popa. A débil brisa, ajudada por tamanha área vélica conseguia mover-nos a 5 nós no rumo certo. A reparação do spi mostra-se impecável mas o conjunto não funciona quando o mar aumenta e optámos pela forma normal na mudança de quarto, rumando a um largo folgado até, que passadas um par de horas e sem que se notasse nenhuma alteração que não fosse algum desvio mais para a orça e záááspuuuu!: o spi voltou a abrir-se em dois, não no mesmo lugar, e a desperdiçar mais esta hipótese de colaboração com a companha. Decididamente, não é uma vela indicada para a barca. Se a temperatura continua a aquecer ainda vai promovido a toldo geral.
(...)
Ao realizar trabalho na carta conducente à obtenção dos melhores rumos a seguir para evitar andar à popa cerrada, apercebo-me que estamos a passar pelo período em que estamos mais longe de terra desta viagem. As costas de África e do Brasil encontram-se à distancia de 750 milhas e é quando nos apercebemos de que estamos entregues ao Criador e que mais ninguém nos pode valer.
Tenho lido alguns relatos de passagens por esta área e não coincidem em nada pelo que vamos cruzá-los na área considerada mais indicada e seja o que Deus quiser. Tentámos falar com o Gonçalo que apenas nos conseguiu dizer que o vento mudaria para Leste e depois Sueste e Sulsueste não tendo a comunicação por satélite permitido que fornecesse informação adicional. O que vamos fazer é esperar que o vento faça a sua ronda de NE para E e aí fazer rumo S, até atingir a latitude 2º S, altura em que nos encontraremos numa posição capaz de enfrentar até ventos SSE e faremos rumo a Fernando de Noronha.
Estamos abastecidos em água e viveres para um período de calmaria de até duas semanas sem seguimento, findo o qual teremos de aprender a viver de outra maneira, recorrendo provavelmente a técnicas ancestrais e/ou canibais.
Devo dizer que o sistema de informação meteorológica
Navtex que temos a bordo não funciona, por não conseguir fornecer mensagens legíveis a esta distância da costa e o telefone satélite há já muito que só funciona esporadicamente e por curtíssimos períodos pelo que só contamos com a bagagem trazida sob a forma de previsões de longo termo, que são muito teóricas.
Pois esta é mais uma versão dos
doldrums(*) ou zona de convergência intertropical, agora com vento NW e a contínua chuva torrencial. Já está tudo lavado. Tudo e principalmente todos que é como quem diz que foi toda a noite e todo o dia encharcados em água doce a derreter os diversos sais impregnados no corpo.
A viagem tem sido dura para N.S. da Aparecida, que merecerá que se lhe arranje para o futuro um belo porto de abrigo onde possa cruzar águas mais calmas. A forma como foi equipada não lhe permite sair incólume desta aventura e alguma manutenção e restauro estavam previstos e foram embarcadas peças extra para o efeito. O Conde, com a ajuda do Camara, dedicou-se à sala da máquina, verificando o sistema de bombagem e atendeu às solicitações do convidado de honra, "Lord Ford". O Mariscador tomava banhos e dava serventia ao Capitão que estava remodelando todo o sistema de escota da vela grande, com novos moitões e nova prisão à retranca por os anteriores acusarem demasiado desgaste. A própria vela foi também toda ajustada ao mastro e à carangueja, por ter cedido num dos pontos. Temos apanhado muita malhoca, é o que chamamos a esta vaga de popa que balança muito a barca e exige muito do aparelho vélico.
Muitas horas à deriva por este Atlântico, movendo-nos ao seu ritmo, embalados na vaga ligeira. Ao raiar do Sol surge, de Leste a tão esperada brisa, muito ligeira, que não chega a encher totalmente as velas mas suaviza ainda mais o andamento, agora maior e que permite fazer rumo. São horas de introspecção para uns e de tagarelice para outros. O céu, num instantinho, passa por todos os cenários e passa-se rapidamente de uma tempestade torrencial a um céu azul e sol escaldante. Os primeiros momentos são dedicados às lavagens, os segundos à secagem.
O percurso de Setúbal a Tenerife encontra-se referido aqui, com o respectivo mapa. O percurso de Tenerife a Cabo Verde encontra-se referido aqui, com o correspondente mapa. Veja também um mapa com a rota de Pedro Álvares Cabral.
(*) Doldrums: cintura equatorial de calmaria ou ventos fracos, variáveis em direcção, entre os dois sistemas de ventos alísios. A grande quantidade de radiação solar que atinge o planeta nesta zona aquece intensamente as águas, provocando a subida de ar quente e húmido, baixas pressões, neblinas, elevada humidade e até tempestades: é nesta zona que têm origem os furacões. Os doldrums também se caracterizam por calmarias que chegam a paralisar os veleiros durante dias ou mesmo semanas e constituíam o grande terror dos marinheiros das Descobertas.
Sobre as possíveis condições de tempo nesta zona vale a pena ler este texto sobre a Viagem de Vasco da Gama; na viagem de ida para a ìndia as caravelas e naus portuguesas afastavam-se de África e faziam a "Volta ao Largo", com um percurso semelhante ao que está neste momento a fazer a N. S. da Aparecida. |
0 Comentários:
Enviar um comentário
Subscrever Enviar feedback [Atom]
<< Página inicial