Não há dinheiro...
Segundo notícia de hoje no
Público, a Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APPS) recuou perante os protestos dos pescadores e decidiu alterar o concurso público para ancoradouros da náutica de recreio no porto de Sesimbra, retirando do concurso a zona contígua ao porto de pesca. A Câmara Municipal de Sesimbra e os três partidos nela representados - PS, PCP e PSD - tinham manifestado o seu apoio às reivindicações dos pescadores.
Quanto à exigência dos pescadores para a construção de mais duas pontes-cais, a APSS responde que "não há financiamento comunitário para mais investimentos, devido à suspensão do
Programa Mare, e a APSS não tem possibilidade de garantir essas obras"; as infra-estruturas existentes, considera ainda a APSS, "são suficientes para a actividade piscatória de Sesimbra".
Estranha argumentação esta: não há dinheiro mas, ainda que houvesse, as obras não são necessárias.
Conflito entre APSS e pescadores
A Administração dos Portos de Setúbal e Sesimbra (APSS) abriu concurso para exploração de diversas áreas de recreio náutico, também no porto de abrigo de Sesimbra, o que está a levantar oposição da parte das organizações de pescadores, dado que a área abrangida é maior do que a de anos anteriores e inclui zonas que actualmente são utilizadas por barcos de pesca.
Manuel Cardoso, da Sesibal, queixa-se de que os pescadores só ficam "Com um corredor estreito para os barcos passarem", pelo que "a solução da APSS representa um risco para a navegação".
João Narciso, presidente da Associação de Armadores do Centro e Sul, afirma que "Há anos que andamos a pedir que construam duas pontes-cais e agora, nas nossas costas, lançam um concurso para o recreio". De acordo com João Narciso, os cerca de 15 arrastões que regularmente acostam em Sesimbra, vão deixar de poder entrar no porto. "Entre Peniche e o Algarve, este é o único porto com capacidade para estes barcos".
A APSS diz estranhar as reclamações, uma vez que a área em causa "já está a ser utilizada para o recreio, mas de forma desordenada". O concurso, esclarece, "é a forma mais transparente de legalizar o estacionamento dos barcos de recreio". Quanto ao corredor de 30 metros para as manobras, considera-o suficiente: "As questões de segurança foram, obviamente, estudadas". - Notícia de Cláudia Veloso no
Público.
É o regresso de um velho conflito entra a APSS e os pescadores, traduzindo mais um episódio de uma questão mal resolvida em Sesimbra: a coexistência entre as actividades de pesca e de turismo/recreio. Com a sede do Clube Naval a ser neste momento construída, na cabeceira da zona em discussão, o aspecto de tudo isto é de uma opção pelo turismo em detrimento da pesca.
Espanta, por outro lado, ver um pescador de Sesimbra defender os arrastões. A sua saída de Sesimbra - e a sua erradicação das nossas costas - seria muito positiva para as pescas e os pescadores.
Luiz Saldanha
O Professor Luiz Saldanha é hoje muito ignorado pelos sesimbrenses, que tanto lhe devem. A esta ocultação da memória do grande biólogo juntou-se a aversão que - por culpa dos burocratas - os pescadores têm hoje ao Parque Marinho a que justamente foi dado o seu nome. Reproduzo aqui um pequeno memorial de um amigo de Luis Saldanha, arqueólogo e investigador de relevo, Vitor Oliveira Jorge, igualmente ligado a Sesimbra pelas investigações que aqui realizou:
«Luiz Saldanha era um homem de toda a terra, que incansavelmente percorreu, levado pelos seus estudos oceanográficos, mas não só: acima de tudo, o Luiz amava a vida, vivida intensamente. Lembro-me dele em Sesimbra, nos anos sessenta, preparando a tese de doutoramento, com a ajuda da sua primeira mulher. Num pequeno escaler, que tinha comprado a meias com o tio Eduardo, acumulavam-se o equipamento de trabalho e os frasquinhos onde ia recolhendo as amostras; enquanto nós prospectávamos os planaltos, ou escavávamos na Lapa do Fumo, ele passava os dias a mergulhar, não raro na companhia de colegas de outros países (sobretudo franceses), com os quais mantinha relações muito constantes. Ao prazer da investigação científica juntava-se o do mergulho. E a casa da Cotovia, que era a nossa base logística, tornava-se um centro de convívio de naturalistas e arqueólogos: por lá passava o Prof. Telles Antunes, grande geólogo e paleontólogo, que connosco continua a trabalhar, na determinação de restos ósseos provenientes de estações pré-históricas; o numismata José Rodrigues Marinho, e outros.
«Nunca vi Luiz Saldanha como, propriamente, um "intelectual"; era um homem de experiência, e de experiência da natureza em todas as dimensões, desde o mais profundo dos oceanos, até aos desertos que tanto amava. Gostava de contar histórias saborosas dos ambientes extremos (como a Antártida) onde tinha estado; era talvez um tímido, que se refugiava nessas "estórias" para não falar diretamente de si. Do tio, de quem tinha recebido uma forte influência, herdou o gosto do desenho (Serrão foi um pintor antes de se consagrar à arqueologia), das miniaturas, da história militar, da própria etnografia amadora. De facto, a mim (que, como ele, tinha horror à guerra e cuja principal obsessão era escapar-me à vida militar e à inevitável mobilização para as colónias como "atirador", razão por que tudo fiz para abraçar a carreira universitária) surpreendia-me a sua descontraída "versão" das experiências por que tinha passado no Norte de Angola, durante o mais aceso da guerra colonial.
«Evidentemente que Luiz Saldanha era absolutamente anti-militarista e anti-colonialista, de acordo, aliás, com o ambiente que se respirava na casa de Eduardo Serrão; foi lá parar obrigado, como tantos jovens do nosso tempo; mas aproveitava as perigosíssimas deambulações pelo mato para, qual naturalista do séc. XIX, por vezes antes ou depois de um tiroteio, recolher espécies faunísticas, e objectos etnográficos, tendo chegado a publicar trabalhos sobre estes últimos, no que considerava um dos seus "hobbies". É claro que, tal como nas ilustrações dos seus trabalhos - especializados ou de divulgação - as estampas eram de sua autoria. Acredito que a sua disposição, física e psíquica, de atleta, que também se revelava nos estudos oceanográficos, e nas deambulações por todo o planeta (como caminhar a pé pelo Sara), o tenha auxiliado a passar por esse calvário da guerra com um estado psicológico invejável.
«Lembro-me de uma vez lhe ter dito (eu, que era dez anos mais novo, e na altura aprendiz de arqueólogo) que tinha muita nostalgia de não ter seguido ciências naturais, para as quais ainda cheguei a estar inclinado durante os primeiros anos de liceu; e que ele me respondeu enfaticamente: "mas tu és um naturalista"... o que, evidentemente, me confortou muito. Saldanha fez parte daquele conjunto de pessoas que, tal como o seu tio, tal como Orlando Ribeiro, sempre me animaram a prosseguir; e bem sabemos o quanto importante é isso num país onde, para fazer qualquer coisa de diferente, de criador, é preciso lutar contra quase tudo e contra quase todos. Um país terrível, onde, sob a fachada dos "brandos costumes", hipocritamente, se esconde amiúde uma vontade de asfixiar toda e qualquer atitude de afirmação dos outros, toda e qualquer tentativa de "fazer diferente". Sobretudo quando essa atitude se veste com a roupagem da marginação e do silêncio, com a sua vasta teia de cumplicidades medíocres.
«As últimas recordações que guardo dele são de um rápido almoço em minha casa, quando me veio trazer uns livros que o tio me deixara, aproveitando uma reunião de júri no Porto; da campanha de Jorge Sampaio, quando nos encontrámos em Lisboa, numa sessão sobre o ambiente, promovida por Mário Baptista Coelho; e na cerimónia em Sesimbra, aquando da atribuição, pela autarquia, do nome do tio a uma das ruas da vila. Não podia imaginar que o Luiz desapareceria assim de repente, sem o poder visitar, como prometera, no Laboratório Marítimo da Guia, e na sua casa de Cascais. Com o desaparecimento de amigos como este, e o afloramento de algumas deslealdades e traições com que a vida nos vai surpreendendo, ficamos maios solitários e tristes. Vemo-nos forçados a prosseguir o caminho com vozes a susurrar-nos ao ouvido a tremenda injustiça do mundo.»
Vitor Oliveira Jorge in Patrimónios Partilháveis
Más notícias
Portugal e de Espanha deverão hoje dizer "não" às intenções de Bruxelas de reduzir para metade os dias de pesca e de criar zonas interditas à captura de pescada e de lagostim. A Comissão Europeia do sector elaborou um plano de recuperação das espécies e, em Maio, pretende fazer aprovar a redução de dez por cento do esforço pesqueiro dos dois países ao longo de cinco anos, bem como a criação de cinco zonas de interdição total de captura de lagostim, duas das quais em Portugal - no Algarve e ao largo de Sines.
Esta posição dos governos pode parecer interessante, mas na realidade representa más notícias para Sesimbra e para os sesimbrenses: a pesca que os governos ibéricos querem defender é a de arrasto, uma arte de pesca extremamente predadora e destruidora dos nossos recursos costeiros. As restrições à pesca pretendidas pela União Europeia baseiam-se em investigações dos nossos cientistas e destinam-se a proteger os nossos stocks de peixe.
Defender a pesca de arrasto não contribuirá para salvar os empregos do arrasto, apenas para adiar a sua agonia. Mas contribui para destruir ainda mais os recursos naturais e biológicos da nossa costa.
Gama, Cão ou Zarco Não nasceram aqui.
Quem nasceu aqui foi o barco. António Telmo |
Região de Setúbal
O pexito Raul Tavares anda perdido pelas "terras onde o leite corre" (não, não me refiro ao Paraíso, mas a outra coisa), com um cargo de destaque num grupo jornalístico que ainda não desenvolveu as suas potencialidades. Embora ainda em fase de testes, o grupo tem já activo o portal informativo
Região de Setúbal, igualmente dirigido por aquele nosso conterrâneo. Felicidades para o projecto!
Ouça
aqui Raul Tavares, num
clip de som de 2003, a falar sobre a imprensa local (crédito: IPS).
João Chagas
A nossa sentida homenagem ao Professor João Chagas, sesimbrense do fundo do coração que agora deixa os nossos terrenos mares. Para além de uma vida dedicada ao ensino, João Chagas era um activo interventor político, incansável defensor de ideias para o progresso - ideias originais que corajosamente afrontavam a mediocridade e apatia dominantes.
Recordamos este seu
comentário no Guia de Sesimbra sobre o processo de consulta pública do Parque Marinho Luíz Saldanha, onde João Chagas destaca as dificuldades de comunicação entre as comunidades piscatória e científica - problema que ele salientou durante muito tempo e a que recentes reflexões da União Europeia vêm dar razão:
«Foi um diálogo de surdos, pois nem os pescadores sabiam o que era biodiversidade nem os cientistas sabiam o que eram barcos de boca aberta, sobertas ou alvitanas».
(Imagens do blogue
Pexito)