A fotografia de cima e a que aparece mais abaixo foram digitalizadas a partir de uns bilhetes postais que eu adquiri em tempos. O postal de cima, comprado num alfarrabista de Lisboa, foi até algo dispendioso. Em ambas as fotografias é visível a fragata Numância encalhada na praia de Sesimbra. A foto de cima deve ter sido tirada pouco tempo após o encalhe de 16 de Dezembro de 1916: o navio está inteiro e vê-se que há uma romaria de curiosos a mirar o insólito panorama. Há igualmente uma aiola à vela a passar à frente do barco. Na fotografia de baixo nota-se já a canibalização do velho navio de guerra, enquanto a vida na vila corre indiferente ao outrora orgulhoso lobo dos mares.
Há alguns anos coloquei estas fotografias na Internet, juntamente com um relato sobre o naufrágio e encalhe, relato esse escrito em 1975, por mim e outros colaboradores da Associação Sesimbrense de Cultura Popular. Esse relato fora baseado no depoimento de vários sesimbrenses que conheciam a história do barco — que classificavam como "cruzador" — barco que ia de Cádiz para Bilbao, levado por dois rebocadores, para ser transformado em sucata. De caminho, e também como lastro, levava um carregamento de sal. Quando coloquei estes dados na Internet aproveitei para os actualizar, contando a história da fragata desde a sua construção em 1863, como fragata couraçada: um veleiro tradicional, mas já com casco de ferro, e reforçado com couraças também de ferro - uma solução de transição entre a era madeira e a era do ferro na construção naval.
Essa publicação na Internet teve uma consequência curiosa: em Espanha a história que corria era a de que a velha fragata se afundara e desaparecera nas profundidades: um destino romântico, mais apropriado a um barco que durante algum tempo fora o orgulho da marinha de guerra espanhola. Mas depois vários sites espanhóis passaram a reproduzir o relato que eu publicara, com a devida referência, chamando a atenção para duas singularidades: uma foi o sal ter voltado a ser deitado ao mar, seu elemento natural, para não pagar imposto alfandegáreo; a outra foi terem os sesimbrenses aproveitado para suas casas muita da madeira do navio, que era de excelente qualidade. Um dos sítios que reproduziu a história foi o da actual fragata de guerra espanhola que herdou o nome: F83 Numância.
De tempos a tempos vejo alguns blogs sesimbrenses publicarem estas mesmas fotos, sem referirem a origem - o que é quase irrelevante - mas sobretudo sem relembrarem a fantástica história da Numância. Provavelmente está bem. Afinal, quem não tem memória não tem remorsos.
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7 Comentários:
A história da fragata Numância é extraordinária, e com esta publicação o João Aldeia dá uma preciosa ajuda no sentido de que muitos de nós possamos ficar a conhecer um pouco melhor a história interessante deste barco que foi da marinha de guerra espanhola e que acabou por morrer na nossa praia.
extraordinária mesmo! sobretudo porque pelos vistos os espanhóis não faziam ideia..
e qual é o link onde se pode ler a história completa?
muito obrigada!!
já conhecia aquele seu site, encontrei-o uma vez que andava à procura do nome certo do filme "The Lonely Dorimen", mas já não me lembrava
achei graça aquela foto da canoa de Inhambane, estive lá há pouco tempo e tirei umas parecidas...
já agora e depois dos obrigados, podia cortar os links de publicidade, porque são incomodos para quem visita o seu blogue. Percebo que o queira rentabilizar este espaço monetariamente, mas é uma chatice.
Conto-lhe uma história: em 1964 o jovem Bob Dylan, já famoso na música folk, apareceu no Newport Folk Festival a tocar com guitarra eléctrica e acompanhado por um grupo de blues também "eléctrico". A reacção dos puristas foi violenta e o seu amigo Pete Seeger ameaçou cortar os cabos de som com um machado. No recente documentário de Martin Scorsese Dylan comenta o caso do seguinte modo: "Não sei o que irritou Pete Seeger, mas não foi a música. Não pode ter sido a música, de modo nenhum". Apetece-me dizer o mesmo. Não sei o que irritou, mas certamente não foram os filmes. São bons filmes, não podem ter motivado tal reacção.
Impresionante información. En efecto, en España se cree que se hundió frente a Sesimbra pero no que encallara o varara en la playa. Tengo muchos libros sobre la Armada Española y en ninguno se habla de tal varada sino de su naufragio.
Muchas gracias. Moito obrigado
Obrigado.
Recentemente descobri que em 1920 existiu uma companhia de seguros com o nome "Numancia", certamente relacionado com o naufrágio da fragata espanhola: Numancia
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