Este processo de conservar o pescado é uma forma engenhosa das populações ribeirinhas piscatórias, em particular de Sesimbra, talvez de conservar alimento para os chamados “dias de chuva” ou seja, quando as condições de mar e invernias impediam de “ir ao mar” e abastecer as famílias com peixe fresco.
No geral como eu confecciono este tipo de produtos é em tudo muito semelhante àquele que se faz com o bacalhau – demolha-se e coze-se.
Pessoalmente introduzi algumas variantes.
Com o peixe mais miúdo, tipo carapau, depois de demolhado, gosto de o fazer numa espécie de sopa, caldo, começando com um refogado ligeiro de azeite, cebola, alho e piripiri, que depois abafo com uma golada de vinho branco, ao que junto depois batata, umas tiras de pimento, e uns tomates cortados grosseiramente aos sextos. Quando tudo levanta fervura meto os bichanitos, rectifico os temperos e quando a batata está cozida, está pronto. Comecei há algum tempo a servir em pratos de sopa fundos, sobre uma fatia fina de pão da Azóia. Uma delícia.
O polvo seco, também vai demolhado, cozido em água e sal com uma golada de azeite, uma pitada de pimenta e uma cebola na água da cozedura. Acompanho com batata cozida, de preferência dos campos do Meco e grelos de nabo. Tudo regado com um bom azeite, umas gotas de vinagre e umas lâminas de alho a temperar o conjunto.
Naturalmente que o meu favorito é o cademonte. Bicharoco de paladar sublime, verdadeiro manjar dos deuses e neste caso, os deuses são todos de Sesimbra que o sabem apreciar.
Além de ir preparado como o polvo, com alguma habilidade, o cademonte pode ser trabalhado na cozinha como o bacalhau.
A minha gulodice por este mimo local levou-me a alguma experimentação. Uma das formas como ele marcha é – sempre depois de demolhado –, cozê-lo como o polvo acima descrito. Mas cozo-o apenas 2 a 3 minutos em água ferver com o lume acesso à força toda e a panela tapada, depois apago o mesmo e deixo o cademonte ficar 6 a 8 minutos na água quente (o cademonte não é muito grosso e pode esfarelar). Depois lasco o bichinho e reservo, bem como a água da cozedura, retirando a cebola que desprezo.
À parte, na misturadora, trituro um bom molho de coentros, 7/8 dentes de alho (para quem gosta de tanto alho, mas pode ser menos), sal grosso, uma golada de azeite e piripiri até obter uma pasta verde uniforme.
Ainda à parte cozo umas batatas cortadas às rodelas como se fossem para fritar mas muito mais largas, largura de um dedo mindinho.
Ainda à parte escalfo um ovo por cabeça.
Finalmente, reaqueço a água de cozer o cademonte, deito-lhe dentro umas boas 2/3 colheres de sopa de concentrado de tomate, deixo levantar fervura, deixo cozer o tomate 4 minutos, deito-lhe a pasta verde para dentro, deixo cozer mais 2 minutos e junto o cademonte lascado.
Depois assemblo o prato. Num prato de sopa fundo a tal fatia de pão da Azóia, por cima o ovo escalfado, em seu redor as batatas e por cima de tudo isto o cademonte com o caldo a regarem a coisa.
Tudo isto acompanhado com um bom vinho tinto para “confortar” o gosto do alho, uma mulher belíssima ao lado – a nossa – e uns quantos amigos de peito, fazem uma noite de Sábado magnífica, homenageando um produto alimentar nosso e da nossa cultura ( e façamos como os Espanhóis, se nos quiserem tirar o que é nosso e que nos identifica e singulariza, pois que nos encostem “al paredón”, mas deixar o cademonte … é que não.
ATM: Que maravilha! Que texto! Bem escrito e cheio de valores da nossa gastronomia. Merecia ser um post de per si.Mas, para já, vou imprimir este comentário e colocá-lo dentro do meu livro de receitas. Muito obrigada!!!
Se vier a Sesimbra, pergunte pelas ruas e às suas gentes outras formas de cozinhar este tipo de produto e tenho a certeza de que ficará com o seu livro de receitas bem mais “gordo” e é muito provável que, com a genuína simpatia dos Sesimbrenses, até vá para casa com uma aprazível oferta de um deste bichinhos para as suas experimentações culinárias e incursões na sua cultura.
Sesimbra, por fora e por dentro: as grutas, a fauna cavernícola e a sua ecologia
Ana Sofia Reboleira, Fernando Correia
"Povoadas por inúmeras lendas e mitos, as grutas são cápsulas do tempo que conservam importantes registos para a construção da nossa identidade, dado que os seres humanos aqui se abrigaram nos princípios da humanidade e deixaram vestígios pré-históricos para memória futura da sua presença", explica Sofia Reboleira. "Mas, talvez mais importante que o passado, é dar a saber que estas albergam hoje estranhas formas de vida, permitindo reinterpretar a história da vida na terra e de como ela se transforma para sobreviver em ambientes tão inóspitos e extremos.", afirma ainda a especialista em fauna cavernícola.
"Exatamente por o tema ser tão singular e estranho, tivemos especial cuidado em criar e estruturar esta obra segundo uma linguagem acessível e motivadora, embora funcional e construtiva no edificar de um saber especial", argumenta Fernando Correia. O responsável pela ilustração da obra salienta: "Fizemos um grande esforço para que isso mesmo sobressaísse quer no discurso escrito, quer ao nível visual, por forma a impulsionar a leitura, e, de caminho, ajudar também a promover a exploração do concelho sob outros olhos. Procurámos construir um livro que cativasse e ensinasse de forma entusiástica — mas sem que pareça uma lição ou sem perder a necessária objectividade e correção científica — e onde a forma como se divulga a Ciência mais atual seja a adequada para a multitude de públicos a que a destinámos."
Além do especial cuidado dedicado ao texto escrito por ambos os biólogos (que contempla várias investigações desenvolvidas no concelho), foi feito um grande esforço para ilustrar profusamente o livro com imagens também inéditas, fotografias e ilustrações, esteticamente interessantes e sumamente didáticas (ao qual se adiciona um design sóbrio, mas fluido).
De realçar que as ilustrações são ilustrações científicas e, como tal, criadas propositadamente para complementar e, às vezes, suplementar, o discurso científico da obra, tornando-a, na perspectiva de um todo, muito mais completo e instigante à descoberta.
Os homens do mar de Sesimbra são sábios. Sempre souberam transmitir o seu conhecimento aos aprendizes atentos, aos capazes,
como escreveu Álvaro Ribeiro, de aceitar a audiência antes da evidência. Grau a grau, ou degrau a degrau, se ascende de moço a arrais, passando por companheiro.
Rafael Monteiro
★
Gama, Cão ou Zarco
Não nasceram aqui.
Quem nasceu aqui foi o barco.
António Telmo
Marés em Sesimbra / Tide table [ mare.frbateaux.net ]
Fotos TrekEarth Photos.
Pesqueiros de Sesimbra (fishing sites)
7 Comentários:
Pêxè.
Estes peixes a secar nas cordas é que sâo as florinhas nas ruas de Sesimbra , infelizmemte também já nâo é permitido
Aqui está algo que me intriga.. Será que depois de seco come-se assim ou ainda tem de se cozinhar???
já nâo é permitido porque?
Para SWT,
Este processo de conservar o pescado é uma forma engenhosa das populações ribeirinhas piscatórias, em particular de Sesimbra, talvez de conservar alimento para os chamados “dias de chuva” ou seja, quando as condições de mar e invernias impediam de “ir ao mar” e abastecer as famílias com peixe fresco.
No geral como eu confecciono este tipo de produtos é em tudo muito semelhante àquele que se faz com o bacalhau – demolha-se e coze-se.
Pessoalmente introduzi algumas variantes.
Com o peixe mais miúdo, tipo carapau, depois de demolhado, gosto de o fazer numa espécie de sopa, caldo, começando com um refogado ligeiro de azeite, cebola, alho e piripiri, que depois abafo com uma golada de vinho branco, ao que junto depois batata, umas tiras de pimento, e uns tomates cortados grosseiramente aos sextos. Quando tudo levanta fervura meto os bichanitos, rectifico os temperos e quando a batata está cozida, está pronto. Comecei há algum tempo a servir em pratos de sopa fundos, sobre uma fatia fina de pão da Azóia. Uma delícia.
O polvo seco, também vai demolhado, cozido em água e sal com uma golada de azeite, uma pitada de pimenta e uma cebola na água da cozedura. Acompanho com batata cozida, de preferência dos campos do Meco e grelos de nabo. Tudo regado com um bom azeite, umas gotas de vinagre e umas lâminas de alho a temperar o conjunto.
Naturalmente que o meu favorito é o cademonte. Bicharoco de paladar sublime, verdadeiro manjar dos deuses e neste caso, os deuses são todos de Sesimbra que o sabem apreciar.
Além de ir preparado como o polvo, com alguma habilidade, o cademonte pode ser trabalhado na cozinha como o bacalhau.
A minha gulodice por este mimo local levou-me a alguma experimentação. Uma das formas como ele marcha é – sempre depois de demolhado –, cozê-lo como o polvo acima descrito. Mas cozo-o apenas 2 a 3 minutos em água ferver com o lume acesso à força toda e a panela tapada, depois apago o mesmo e deixo o cademonte ficar 6 a 8 minutos na água quente (o cademonte não é muito grosso e pode esfarelar). Depois lasco o bichinho e reservo, bem como a água da cozedura, retirando a cebola que desprezo.
À parte, na misturadora, trituro um bom molho de coentros, 7/8 dentes de alho (para quem gosta de tanto alho, mas pode ser menos), sal grosso, uma golada de azeite e piripiri até obter uma pasta verde uniforme.
Ainda à parte cozo umas batatas cortadas às rodelas como se fossem para fritar mas muito mais largas, largura de um dedo mindinho.
Ainda à parte escalfo um ovo por cabeça.
Finalmente, reaqueço a água de cozer o cademonte, deito-lhe dentro umas boas 2/3 colheres de sopa de concentrado de tomate, deixo levantar fervura, deixo cozer o tomate 4 minutos, deito-lhe a pasta verde para dentro, deixo cozer mais 2 minutos e junto o cademonte lascado.
Depois assemblo o prato. Num prato de sopa fundo a tal fatia de pão da Azóia, por cima o ovo escalfado, em seu redor as batatas e por cima de tudo isto o cademonte com o caldo a regarem a coisa.
Tudo isto acompanhado com um bom vinho tinto para “confortar” o gosto do alho, uma mulher belíssima ao lado – a nossa – e uns quantos amigos de peito, fazem uma noite de Sábado magnífica, homenageando um produto alimentar nosso e da nossa cultura ( e façamos como os Espanhóis, se nos quiserem tirar o que é nosso e que nos identifica e singulariza, pois que nos encostem “al paredón”, mas deixar o cademonte … é que não.
Bom apetite
ATM
ATM:
Que maravilha! Que texto! Bem escrito e cheio de valores da nossa gastronomia.
Merecia ser um post de per si.Mas, para já, vou imprimir este comentário e colocá-lo dentro do meu livro de receitas.
Muito obrigada!!!
Para SWT
Obrigado pelas suas palavras amáveis.
Se vier a Sesimbra, pergunte pelas ruas e às suas gentes outras formas de cozinhar este tipo de produto e tenho a certeza de que ficará com o seu livro de receitas bem mais “gordo” e é muito provável que, com a genuína simpatia dos Sesimbrenses, até vá para casa com uma aprazível oferta de um deste bichinhos para as suas experimentações culinárias e incursões na sua cultura.
Até um dia
ATM
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