13
[...] «No fogareiro de Olegário não há água para domar o lume. As brasas temperam-se com cinza e à paulada, com a ajuda de uma ripa de madeira. Há dez anos que assa peixe e diz que é a coisa que mais adora. Disso e de "sair à noite", mas só no Meco, que "por aqui não há nada", lamenta-se, de garfo na mão e copo de vinho na outra. Olegário gosta de assar peixe mas também gosta da conversa. Apresenta-se como o "marido da filha da dona do restaurante", e todos lhe chamam Gaio. "Poucos sabem por aqui que o meu nome é Olegário António da Rosa", alentejano com muitos anos de mar e mais ainda de Sesimbra. Chapéu de cowboy, chinelas havainas, uma camisola de alças a vincar a barriga, Olegário, o Gaio, vai virando as sardinhas enquanto lhes gaba a cor. Já virou muitas, "uns milhões de unidades", arrisca com um ar de quem se impressionou até a ele mesmo para depois revelar o que prometera nunca dizer. "O segredo disto está na atenção que se dá ao pêxe", dito assim, suprimindo um 'i' que há-de ir para outro lado qualquer porque Gaio, assador afamado, conversa atropelando palavras, com a mesma agilidade com que vira o peixe para não o queimar. "Este é do bom; p'xinho de'inzol." Agora é o 'i' que vai para o lugar do 'a' e sobram sempre letras em qualquer frase porque Gaio só não se distrai das brasas. O p'xinho a que se refere há-de ser o do seu almoço. "São x'quilhas", outro nome para petinga, uma sardinha pequena, mais saborosa aos paladares treinados. Gaio assa e há uma fila de gente à espera do seu peixe na tasca junto ao mercado de Sesimbra. "Sesimbra é peixe", dizia um homem no hotel em vésperas de dia de enchente na praia, e sem suspeitar de que aquela era noite de excepção na lota. Uma e outra sem os pregões de antes, mas as duas cheias que nem lata. De gente e de peixe. "De sexta para sábado é raro haver peixe por aqui, mas hoje há peixe a dar com um pau", grita Justino para se fazer ouvir na confusão de peixe e homens, de barcos que chegam e carrinhas que saem carregadas para Lisboa, Setúbal, Almada... Há vendedores à espera para poderem licitar um cabaz de carapau, de sardinha, de cavala ou boga. E há turistas que foram só "ver o movimento".» Diário de Notícias Online |
2 Comentários:
"No fogareiro de Olegário não há água para domar o lume. As brasas temperam-se com cinza e à paulada, com a ajuda de uma ripa de madeira"
Bem...estamos sempre a aprender :)
Sesimbra, bela terra, mas agora só a visito na época baixa, para jantar no Tony.
De chapéu de cowboy na cabeça e a assar peixe junto ao mercado de Sesimbra, só pode ser na tasca do 13, o único comedoiro de Sesimbra a assinalar o falecimento de Syd Barret com a emissão de "Shine On Your Crazy Diamond", alto e bom aom, para a rua.
Ali assa-se muito peixe, do anzol e da rede, mas a sardinha é que certamente não é "do anzol", conforme se poderia depreender do texto.
Quanto aos "milhões de unidades" de sardinhas viradas no assador, façamos as contas: assassando-se 100 sardinhas por dia, todos os dias e durante 10 anos, seriam cerca de 365 mil sardinhas - teria ainda de se multiplicar por três para atingir o primeiro milhão. Ora, como é sabido, as sardinhas só se comem numa parte do ano.
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