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sexta-feira, junho 13, 2008

Desenho e foto de Constança Lucas
[ Desenho e foto de Constança Lucas → ]
     Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no combóio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
     Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
     «Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fin do mundo.» Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?
     A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.

Bernardo Soares
Livro do Desassossego, #451

     
     Travel? One need only exist to travel. I go from day to day, as from station to station, in he train of my body or my destiny, leaning out over the street and squares, over the faces and gestures, always equal and always different, just like scenery.
     If I imagine, I see. What more do I do when I travel? Only extreme weakness of the imagination justifies having to travel to feel.
     'Any road, this very road leading out of Entepfuhl, will take us to the end of the world.' But the end of the world, since it was consummated by being circled, is the same Entepfuhl from which we started. The end of the world, like the beginning, is in fact our concept of the world. It's in us that the scenery has scenery. So that if I imagine it. I create it; if I create it, it exists; if it exists, then I see it like any other scenery. So why travel? In Madrid, Berlin, Persia, China, and the two poles, where would I be but in myself, and in my particular type of sensations?
     Life is what we make of it. Travel is the traveller. What we see isn't what we see but what we are.

Bernardo Soares
The Book of Disquietude, #494


Notas: Comemoram-se hoje os 120 anos do nascimento de Fernando Pessoa;
Entepfuhl: citação de uma frase de Carlyle
Notes: We commemorate today the 120th birth anniversary of the poet Fernando Pessoa, who wrote under dozens of names, one of them being Bernardo Soares. Entepfuhl: citation of a sentence by Carlyle.

4 Comentários:

Às 13/6/08 , Blogger Constança Lucas disse...

João

Fernando Pessoa é tão único e tão intenso, por aqui as pessoas t~em um carinho muito especial por ele, mesmo os que não o lêem.

As suas inquietações são partilhadas sempre

abraços
Constança

 
Às 13/6/08 , Blogger 123 disse...

O melhor poeta português de todos os tempos a meu ver.

Muito Bom!!!

abraço

 
Às 13/6/08 , Anonymous Anónimo disse...

Novo blog
http://blogsilencioso.blogspot.com/

 
Às 17/6/08 , Blogger Raquel Sabino Pereira disse...

FABULOSO!!!

 

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