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segunda-feira, junho 25, 2007

Cinema

     Quando a Câmara de Setúbal comprou o cineteatro Luisa Todi, em 1990, durante algum tempo fiquei com a responsabilidade pela programação de cinema. Já nessa altura a rede de salas de cinema do país se encontrava nas mãos de grande grupos de distribuição, pelo que era muito difícil, e caro, programar os grandes filmes da actualidade.Foi então necessário encontrar uma solução de compromisso entre os filmes que essas redes se dispunham a ceder-nos – mas sempre muito tempo depois da estreia – e filmes antigos de qualidade.

     Aprendi também que teria de decorrer algum tempo até que o público retomasse o hábito de ir ao cinema. O cineteatro Luísa Todi nunca interrompera a programação, mas nos últimos anos tinha exibido filmes duma má qualidade gritante que já não atraíam ninguém. Quem me ensinou isso foi o actor Carlos César, que estava responsável pela programação do teatro na mesma sala. Dizia ele que levaria algum tempo a criar uma “corrente de público” e que o principal era definir uma programação de qualidade e manter esse nível.
     Sou um colaborador antigo do Festróia, organização que tem actualmente a responsabilidade pela programação dos dois cinemas municipais de Setúbal, em colaboração com a distribuidora Atalanta Filmes, de Paulo Branco. Por isso divulgo na blogosfera, há muito tempo, os filmes que lá passam.
     Recordei-me disto há dias quando soube que algumas das sessões do cineteatro João Mota tinham tido poucos espectadores e que também não era fácil programar os filmes desejados: hoje a concentração das empresas distribuidoras continua a dominar o mercado e a reservar os melhores filmes para as suas redes de salas. Como vão distantes os tempos em que se podia pedir ao João Mota para trazer determinado filme – tal como se pedia ao Julião da biblioteca para encomendar determinado livro, embora este último caso, felizmente, continue a ser uma prática corrente.
     Gosto muito de cinema e considero boa a programação que tem havido para Sesimbra. Por isso não me interessa nada que o cinema venha a alterar ou diminuir as suas sessões. Com as minhas modestas possibilidades farei o possível para divulgar os bons filmes do cineteatro João Mota, tanto mais que a Internet e os videoclips permitem uma informação rápida, actual, informada e sugestiva acerca dos filmes em cartaz. Quem me diria que os velhos prospectos de papel amarelo, azul e cerise do João Mota, cujo cheiro ainda associo aos dias de praia nos idos anos da minha juventude, seriam substituídos por estes espectaculares trailers que nos chegam a casa? E quem se imagina agora de nariz espetado nos cartazes expostos na montra no cinema, a tentar adivinhar se a fita valeria o sacrifício das coroas que rareavam nos bolsos?
     Nesses tempos da minha juventude vi grandes filmes, bons filmes, no cinema de Sesimbra. Constituíam principalmente um divertimento, mas tinham também um papel importante numa certa informação e formação acerca do mundo e da humanidade. Na altura em que vi o Spartacus, um dos filmes de que mais gostei, não fazia a ideia de que se tratava de um manifesto intencional contra a perseguição de liberais de esquerda nos EUA, período que ficou conhecido como a “caça às bruxas”. O roteiro desse filme foi até escrito, de forma camuflada, por muitos autores que estavam proibidos de trabalhar na indústria cinematográfica por cauda de perseguições políticas. Essa é a força do cinema, tal como de outras formas artísticas: transmitir sentimentos elevados e valores que vale a pena defender. Além disso, só quando é visto nas salas de cinema é que se produz aquele fenómeno da “suspensão temporária da credulidade”, tão importante na fruição das obras de ficção, mas que aparentemente pouca gente sabe o que é.
     Para além dos filmes, recordo as conversas que motivaram, noite fora, nos cafés de Sesimbra, na esplanada do Central ou no banco circular de ferro do jardim. Ainda recentemente me lembrei da admiração que o António Carlos (Brazinha) tinha pelos filmes do Drácula, cujo actor, Cristopher Lee, esteve há semanas no Festróia. Para se conversar sobre filmes é preciso que outros tenham tido a experiência do encantamento do cinema. Sim, divulgo os filmes por um interesse pessoal, mas que é apenas este: gosto de cinema e de que os outros também gostem.

2 Comentários:

Às 21/4/09 , Anonymous Anónimo disse...

ola. eu e uns colegas da escola secundaria de sampaio estamos a desenvolver um projecto que consiste na evoluçao do cinema como arte na vila de sesimbra. pretendiamos entrevista-lo para que pudesse partilhar algumas historias de outros tempos connosco. se aceitar por favor contacte-me para o meu mail: iris.curto@hotmail.com
cumprimentos

 
Às 27/4/09 , Blogger Joao Augusto Aldeia disse...

Já enviei uma mensagem para o endereço que me indicou. Se quiser também me pode contactar para o endereço:
joaldeia@gmail.com

 

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