A maresia do mundo
Ouvir na noite a maresia e ver o arco inteiro dos astros
é pertencer inteiramente ao grande harmónio do universo
Mas nós vivemos em quartos poeirentos
e já não vemos as constelações ofuscadas pelas luzes da cidade
O silêncio já não tem a placidez planetária
de um grande bálsamo de sombra universal
lembro-me ainda na minha terra solar de me estender
ao comprido no ladrilho do terraço
de frente para as estrelas
e o firmamento inteiro abria-se num vasto leque
tranquilamente cintilante
Ondulava na grande embarcação do universo
e respirava o seu vagaroso e transcendente pulmão
Ninguém navega já assim no espaço
e por isso se perdeu a fértil lentidão da terra
Se o poema é um búzio em que ressoa a maresia do mundo
poderá ele suscitar o desejo de pertencer à terra
como uma árvore que se inclina sobre as ondas
ou uma torre vegetal de sombras embriagadas pela brisa marinha?
António Ramos Rosa
(Revista Atlântica, nº 1, 2004)
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