Posição e contradição
Apesar dos cuidados que é necessário ter no uso destes estudos, evitando retirar deles conclusões definitivas, vê-se com frequência - nomeadamente na blogosfera - citar-se determinados estudos estatísticos como prova de que "o país está cada vez pior", ou de que "estamos na cauda da Europa", ou de que "o concelho não se desenvolve", etc. Por outro lado, se os estudos apontam numa direcção que não coincide com as ideias dominantes, então são menosprezados, desvalorizados ou, simplesmente, ignorados.
Há poucos dias a Marktest, uma das empresas mais conceituadas na realização deste tipo de estudos, divulgou dados relativos ao poder de compra concelhio, que salientavam cinco concelhos "campeões" onde esse poder de compra mais tinha subido de 1992 para 2006:
Concelhos | Variação 1992-2006 |
Oeiras | 4,5 % |
Alcochete | 4,3 % |
Albufeira | 3,9 % |
Palmela | 3,7 % |
Sesimbra | 3,0 % |
Quando os dados estatísticos não comprovam as nossas ideias, o que se deve fazer? O normal seria mudar as ideias em função dos dados. Mas muita gente prefere ignorar ou desvalorizar tais informações.
Já em 2003 um outro estudo, da autoria de João Ferrão, avaliava as dinâmicas territoriais e as trajectórias de desenvolvimento, em Portugal, entre 1991 e 2001. Com base nos dados dos Censos de 2001, este investigador fez a classificação do território nacional em três classes:
Ora Sesimbra, nesta classificação, situava-se claramente no "país tranquilo", onde se verifica desenvolvimento mas sem o exagero e a intensidade das ameaças que espreitam as zonas de crescimento rápido (este documento pode ser consultado aqui).
No blogue Abrupto, José Pacheco Pereira enunciou recentemente "10 leis sobre debates na blogosfera", a primeira das quais era: "Evitar discutir a Posição, procurar atacar a Contradição". Esta lei é precisamente comprovada pelo posicionamento ambíguo da blogosfera relativamente aos estudos que não "comprovam" as ideias concebidas de cada um: são ignorados ou, então, desvalorizados, contrapondo-se-lhe "evidências" que apontam em sentido oposto, etc. Pelo contrário, se um dado estudo parece confirmar as ideias pre-concebidas, então exagera-se na respectiva divulgação e nas "lições" que se podem dali retirar, etc.
Tal como referi no início, estes estudos estatísticos não constituem indicadores absolutos do que se passa na realidade. No entanto, alguma coisa indicam. Quanto às "evidências" com que cada um pensa caracterizar essa realidade - classificando em termos absolutos o país e as pessoas como "incultos", "perdidos", "irresponsáveis", "subdesenvolvidos" - provavelmente valem ainda menos.
Adenda: Já depois de escrever esta entrada descobri, através do Ponto Média, o artigo "Do we need a public understanding of statistics?": «As estatísticas penetram em todos os aspectos da vida - desde a educação, trabalho, media e saúde, até à cidadania. Por exemplo: muitas reportagens dos média incluem referências estatísticas sobre saúde, tendências sociais e demográficas, educação e economia. Este uso alargado das estatísticas coloca um problema, já que a estatística constitui uma disciplina difícil, associada a mal-entendidos que minam a confiança e conduzem à suspeita. A literacia científica dos cidadãos cobre as estatísticas de modo insuficiente, tanto em termos teóricos como empíricos. (...)» Fabienne Crettaz von Roten |
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