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segunda-feira, abril 17, 2006

Cinismo e arbitrariedade


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A parte mais arbitrária do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida (POPNA) é certamente a que diz respeito à pesca da chincha, em Sesimbra. De facto, o nº do Artigo 53º da RCM 141/2005 estipula o seguinte:

"Nas praias da Califórnia e do Ouro, em Sesimbra, pode proceder-se à pesca com arte xávega desde que enquadrada em eventos turísticos ou culturais, ficando nestes casos as respectivas operações de pesca sujeitas a autorização da comissão directiva do Parque Natural."

Repare-se no cinismo desta disposição legal: trata-se de proibir uma arte de pesca que até aqui sempre esteve legal, mas em vez de o dizer claramente, usa-se o artifício de afirmar que "pode proceder-se à pesca...". Na realidade, não se pode.

O cinismo continua logo a seguir no pequeno parágrafo: "...desde que enquadrada em eventos turísticos ou culturais". Quem fez a lei sabia muito bem que não existe qualquer actividade turística ou cultural que envolva a chincha, tal como sabe que ninguém irá pagar aos pescadores para macaquearem a pesca para turistas; mesmo que isso fosse possível, aconteceria uma ou duas vezes num ano.


Cinismo e arbitrariedade na proibição da arte de pesca da chincha.

Portanto, bastaria esta norma para liquidar a pesca da chincha. Mas quem fez a lei queria ter a certeza de que não restaria nem uma ínfima hipótese de que aquela pesca se mantivesse, e por isso acrescentou a necessidade de autorização prévia do Parque. Porém, se até aqui navegámos no pântano do cinismo, entramos agora nos remoinhos da arbitrariedade. O Parque poderá dar ou não autorização, mas não se identificam quais os critérios em que se deverá basear.

Vejamos este assunto do ponto de vista económico e empresarial: será admissível o Estado conceder autorização a uma indústria e depois, num dado dia, retirá-la, sem qualquer indemnização? Seria possível fazer isto com a Secil na extracção de pedra na Serra da Arrábida?

Ou então, imagine-se uma qualquer actividade económica em que o Estado se reserva, em cada dia, o direito de autorizar ou não a respectiva laboração, sem apresentar qualquer fundamento prévio para essas suas decisões futuras: alguma empresa se dedicaria a esta actividade, nestas condições? Não é isto muito pior do que a política do "condicionamento industrial" praticada pelo Estado Novo e que tanto se criticou?

Como é possível que em 2006 um governo faça isto? Percebe-se que se permite fazê-lo por se tratar de uma pequena indústria, de uns pobres pescadores que não têm poder reivindicativo para fazer valer os seus direitos. Mas não é isso mais uma demonstração do cinismo desta política? Não têm os governos a obrigação de tratar todos os cidadãos por igual?

E eis, perante os nossos olhos, a vergonhosa acusação que os pescadores da chincha lançam ao nosso governo: "Se temos tudo legal, porque não nos deixam trabalhar?". É uma pergunta justa, e o governo deverá responder.

6 Comentários:

Às 17/4/06 , Anonymous Anónimo disse...

E para irmos à praia no próximo Verão? Preciso de licença? De quê? Com que periodicidade? Semanal, mensal trimestral? Não deve faltar muito.Proibiram bolas, cães, chapéus de sol em algumas áreas... ler...não sei? Pode-se ler? E usar biquini? É atentado ao pudor? e dentro de água? Urina-se ou não? O melhor para proteger as espécies será colocar o famoso e temido mas também desconhecido líquido azul que acusa quem não aguaentou essa necessidade fisiológica. Não deve faltar muito.

 
Às 17/4/06 , Anonymous Anónimo disse...

Trata-se de um excelente texto do Dr. João Aldeia que toca em todos os pontos essenciais, num trabalho sério e merecedor de ampla divulgação.

De lamentar que um qualquer banhista se tenha revelado tão incontinente em asneiras.
Não é obrigatório fazer humor. Muito menos de tão baixo nível e sobre assunto tão grave.

 
Às 18/4/06 , Anonymous Anónimo disse...

Sr. anónimo da 5h59PM, são mentiras? Cheira-me a apoiam-te do POPNA, desses que vão a Sesimbra no fim-de-semana. É mentira que proibiram tudo? Realmente. Tão sério que o Sr. é e como faz um coment tão sério devia identificar-se e destacar-se dos bregas.

 
Às 18/4/06 , Anonymous Anónimo disse...

Com banhistas destes e (la)bregas semelhantes, não tarda e o pobre do senhor Aldeia vai ter de pôr um cadeado na porta outra vez.

 
Às 18/4/06 , Blogger Joao Augusto Aldeia disse...

Por favor: não queiram ser mais papistas do que o Papa. O único tipo de comentários que poderia eliminar seriam os que contivessem calúnias e/ou fossem insultuosos. Fora isso, as pessoas que comentem à vontade: que sejam espirituosas, bem humoradas, irónicas, disparatadas, confusas, canhestras, brilhantes... enfim, que sejam felizes!

 
Às 19/4/06 , Anonymous Anónimo disse...

Finalmente alguém a falar sobre este assunto como ele deve ser feito.
Em tempos li um texto seu semelhante, e só tenho pena que existam autistas que não querem ver a realidade que está a acontecer no nosso Concelho.
Muitos parabéns, e continue com o bom trabalho. Já agora, seria interessante e bom para informar o público, que um jornal de âmbito nacional publicar este texto, com uma reportagem de fundo sobre este assunto e toda a sua envolvencia.

Pexito Azul

 

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