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domingo, março 19, 2006

Amores do Cabo Espichel


     «Assim D. Fernando de Almada a viu, e deste modo se cativou dos seus encantos, pela primeira vez que a viu. Foi no sítio do Cabo. Maria dos Remédios desejara acompanhar o círio, que levava ao Espichel gente de Sesimbra, Azeitão, Setúbal e Lisboa — além das pessoas da corte que deviam aguardar no Sítio a Família Real. No Cabo, barracas de campanha do exército e tendas de vendedores formavam buliçosos e pitorescos arruamentos, que se estendiam até à porta da igreja, ornamentada de ricos brocados e damascos. O cortejo era luzido: cavalgadas, carros alegóricos, músicas, danças, coches, — e o prior de Belas no último, com o círio, fazendo a guarda de honra a infantaria de Setúbal. Em dois dias que o círio demorava no Espichel, as solenidades e os divertimentos não tinham interrupção; havia de manhã as missas, à tarde cavalhadas e jogos de canas, seguidamente tourada, com lide e morte de vários touros; e à noite continuava a festa com arraial e fogo de artifício, preso e solto, prolongando-se os divertimentos até que o Sol rompesse.
     «De tanto ouvir encarecer a magnificência dos festejos, Maria dos Remédios pediu ao pai que também a família, naquele ano, acompanhasse o círio da Senhora do Cabo. Acedeu Tobias Botelho de Andrade, sem presumir que no Cabo Espichel a filha mais velha iria encontrar a metade que lhe faltava no coração.
     «D. Fernando de Almada foi dos fidalgos que lidaram e mataram touros a cavalo, nas duas touradas a que Maria dos Remédios assistiu; a galhardia do cavaleiro e a sua destreza nas sortes encantaram-na, — e só por discrição lhe não atirou as rosas que levava no seio. Melhor galardão, porém, obteve D. Fernando de Almada: a luz, a doçura, os cuidados daqueles olhos formosos, que não o abandonavam, antes o protegiam enquanto arriscava a vida diante dos touros! E quando pela primeira vez se falaram, no dia da procissão, último dos festejos — já os seus corações, por secreta correspondência, se haviam reciprocamente entendido.»

Aldeia Rica
Romance de Augusto da Costa
Parceria António Maria Pereira, 1948 (p.252-253)

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