Terra de Pescadores
«Terra de pescadores, Sesimbra sente desenrolar-se a própria vida em torno da actividade em função da qual surgiu. Dia a dia, numa regularidade monótona e simultaneamente vibrante, as mesmas cenas repetem uma característica movimentação de formas e cores, enquadradas no vozear contínuo do mar e no alarido estonteante dos homens. Madrugada alta, o arrastado chamamento dos "moços", as sombras projectando-se nas "lojas" e os barcos que esperançosamente partem, começam por despertá-la, pouco a pouco, e, ao romper do dia, em pleno mar, a maior parte dos seus homens esforça-se por conseguir assegurar o pão de cada dia. Depois é, em terra, o desenrolar das horas, à espera duma hora única em que toda a atenção se concentra na lota. Aí, à luz duns escassos archotes, de Inverno, ou em pleno dia de Estio, efectua-se o comércio de peixe que acaba de chegar e em volta do qual unicamente gravita a própria vida da povoação. Aí é possível encontrar o seu mais típico traço e também o que mais profundamente nos prende e sugestiona.
Quando finalmente se diluem as formas e cores no negrume da noite que desce, e as ruas se vão, pouco a pouco, tornando desertas, o pescador, de regresso a casa, esquece a sua condição de simples anexo a uma gigantesca engrenagem - perante a qual não tem real valor - e toma consciência da sua existência individual e dos seus próprios problemas. Doloroso se lhe torna, por vezes. Doloroso, sobretudo, se regressa de mãos vazias ou com uma féria irrisória que não chega para cobrir a mais rudimentar subsistência.
Escasso contudo é o tempo que, em cada dia, lhe resta para si mesmo. Volvidas horas, regessa à faina com um sorriso ou uma praga a bailar-lhe nos lábios. Dura vida a que tem de viver. Difícil... mas sua - a única que escolheria, se, em dado momento, lhe fosse dado voltar atrás e escolher. "...E bonita, às vezes, pois então! Gostaria que visse colher o aparelho, com peixe-espada, em noites de luar. Parece dia!" - e nos seus olhos há mais que emoção ou alegria: há verdadeiro orgulho por ser homem do mar e pescador.»
Maria Alfreda Cruz
"Pesca e Pescadores em Sesimbra" - 1966
Fotografia reproduzida do livro (clique para ampliar)
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